ECO & CARDIO - Dr. Paulo César
  Lesões Congênitas das Valvas Cardíacas
 

Lesões Congênitas das Valvas Cardíacas




As quatro valvas que compõem a estrutura cardíaca têm a função básica de permitir a livre passagem de sangue dos átrios para os ventrículos e dos ventrículos para as grandes artérias (aorta e pulmonar). Para exercer tal tarefa com competência, torna-se necessário que os tecidos que as compõem possuam uma justa coaptação , boa flexibilidade para ampla excursão dos folhetos, cordoalhas com extensão exata para que as válvulas AV cheguem mas não ultrapassem o plano de fechamento, ausência de fusão dos folhetos e que o anel onde se implantam estes folhetos tenha dimensões adequadas.

Anormalidades na formação da estrutura valvar poderão torná-la inadequada para sua função, tornando-a insuficiente, estenótica ou atrésica.

As anomalias valvulares congênitas podem ocorrer, como lesões antômicas isoladas ou fazendo parte de uma patologia cardíaca mais complexa, em que outras malformações cardíacas se associam, como na tetralogia de Fallot, hipoplasia de cavidades esquerdas, atresia tricúspide, defeito do septo átrio-ventricular, atresia pulmonar, atresia aórtica, atresia mitral e outras.

Neste artigo, vamos nos restringir ao estudo das lesões valvares isoladas, listadas abaixo, mas que eventualmente podem estar acompanhadas de outras deformidades.

Doenças Valvares Congênitas

1 - Doenças da valva tricúspide
Doença de Ebstein

Insuficiência tricúspide 
Estenose tricúspide

2 - Doenças da valva pulmonar 
Estenose pulmonar valvar

Agenesia da valva pulmonar
Insuficiência pulmonar

3 - Doenças da valva mitral 
Estenose mitral

*Fusão de comissuras
*Displasia com excesso de tecidos
*Duplo orifício mitral
*Valva mitral em arcada
*Valva mitral em pára-quedas
Cleft mitral isolado
Prolapso mitral


4 - Doenças da valva aórtica 
Estenose valvar aórtica


1 - Doenças da Valva Tricúspide

As lesões congênitas isoladas da valva tricúspide são raras, sendo a mais comun a doença de Ebstein.
O encontro de pequeno grau de insuficiência tricúspide ao exame Ecocardiográfico Doppler é um achado comum, em geral limitado à protossístole, e não corresponde a patologia cardíaca, sendo um achado fisiológico observado em grande parcela da população normal.

A Insuficiência tricúspide (IT) patológica pode ser observada em recém nascidos com hipertensão pulmonar e em casos de disfunção do músculo papilar, na isquemia miocárdica transitória do período neonatal. Após esta fase ocorre regressão da IT.

Displasia da válvula tricúspide e cleft isolado são causas raras de IT, enquanto aEstenose tricúspide isolada é uma situação extremamente rara, em geral observando-se estenose desta válvula como parte de uma patologia mais complexa com hipoplasia de VD, como nas atresias pulmonares.

Doença de Ebstein

Descrita em autópsia, pela primeira vez em 1866, e em paciente vivo, em 1949, corresponde a cerca de 0,5% das cardiopatias congênitas. Trata-se de uma deformidade em que os folhetos septal e posterior da tricúspide se implantam anormalmente, com deslocamento apical variável, fazendo com que parte do ventrículo direito se situe acima dos folhetos tricuspídeos, compondo a "cavidade atrial".

O folheto anterior, em geral, se implanta normalmente, entretanto é grande e redundante. Em conseqüência desta deformidade, observamos graus variáveis de insuficiência tricúspide, levando a maior ou menor dilatação do átrio direito, baixo débito de ventrículo direito e sinais de congestão sistêmica.

A presença de comunicação inter atrial (achado freqüente) permite a passagem de sangue para o átrio esquerdo, produzindo cianose. Por outro lado evita estase de sangue em átrio direito e veias centrais e os sinais de congestão sistêmica.

Raramente o tecido tricuspídeo é imperfurado, produzindo atresia com quadro de cianose, dependente do ducto arterioso para manutenção de fluxo pulmonar. Algumas vezes o orifício tricuspídeo é estenótico.

Na verdade a doença corresponde a um espectro, que vai dos casos mais leves, com pouca deformidade valvar e pequeno deslocamento apical, até os casos mais graves, com grande anormalidade estrutural e funcional da valva tricuspide.

quadro clínico também acompanha este espectro, sendo os casos mais leves, de boa evolução, praticamente assintomáticos. Os pacientes apresentam-se bem no período neonatal, com bom desenvolvimento na infância, atingindo a vida adulta sem necessidade de tratamento. O prognóstico é excelente sem encurtamento da sobrevida.

No outro extremo estão os casos mais graves, com grande deformidade valvar, evoluindo com grande dilatação de cavidade atrial direita e insuficiência cardíaca e outros, com cianose. De particular interesse é o período neonatal, em que a resistência pulmonar elevada dificulta o esvaziamento anterógrado de ventrículo direito, aumentando a regurgitação tricúspide, com grande sobrecarga atrial e cianose. O grande aumento da área cardíaca, nos casos graves, compromete também a ventilação, já que os pulmões são comprimidos e encontram pouco espaço para se expandir. O prognóstico nestes casos é ruim, com grande risco de óbito neonatal.

Em casos mais extremos, com dilatação aneurismática atrial no período fetal, a grande área cardíaca pode levar à hipoplasia pulmonar e hipertensão pulmonar neonatal grave, com pouca probabilidade de sobrevida.

A arritmia cardíaca pela grande dilatação atrial direita pode se expressar por episódios de taquicardia paroxística supraventricular, flutter ou fibrilação atrial. Também a grande associação com síndrome de Wolff-Parkinson-White produz taquicardia paroxística.

Nos casos moderados, em escolares e pré-escolares, a fadiga ao exercício físico ocorre e a cianose pode reaparecer, quando há CIA.

A distensão da jugular, com proeminente onda "a", pode ocorrer em casos mais severos e sem CIA.

O sopro sistólico na borda esternal esquerda, a presença de terceira bulha de VD e menos freqüentemente de quarta bulha e o desdobramento de primeira bulha podem ser observados.

Ao Rx de tórax, o índice cardiotoráxico aponta para o prognóstico, com o aumento da silhueta de átrio direito, refletindo a disfunção valvar e podendo haver também pobreza vascular nos casos com hipertensão pulmonar.

eletrocardiograma revela aumento de AD, bloqueio de ramo direito e por vezes sobrecarga de VD. Quando há associação com síndrome de Wolff- Parkinson-White (W-P-W), encontramos PR curto e onda delta.

O estudo ecocardiográfico Doppler delineia com precisão a anatomia e o local de implantação da válvula tricúspide, o grau de insuficiência, se há estenose e as dimensões das cavidades cardíacas. Este método em mãos experientes torna desnecessário o estudo hemodinâmico, na quase totalidade dos casos.

cateterismo cardíaco pode ser reservado para os casos de adultos, com janela ecocardiográfica ruim, em que não se consiga realizar o ecocardiograma transesofágico ou caso persista alguma dúvida relevante para se traçar a conduta.

tratamento no período neonatal tem como foco principal a redução da resistência vascular pulmonar, que é o grande fator de manutenção do baixo débito de VD e cianose. 

É possível ocorrer atresia pulmonar funcional, nestes casos, com a válvula pulmonar permanecendo fechada na sístole, pois a pressão gerada pelo VD não consegue vencer a resistência pulmonar. As clássicas medidas de suporte devem ser utilizadas.

O tratamento cirúrgico, se necessário, varia com o quadro apresentado:

1 shunt sistêmico-pulmonar para melhorar a saturação arterial;

2 plastia tricúspide em casos factíveis;

3 implante de prótese valvular tricúspide;

4 oclusão da válvula tricúspide, cirurgicamente, mais cirurgia cavo-pulmonar, em pacientes com VD hipoplásico e com boas artérias pulmonares.

A ablação da via anômala, nos pacientes com W-P-W, pode ser feita durante a cirurgia cardíaca ou através de cateterismo.

2 - Doenças da Válvula Pulmonar


Estenose Valvular Pulmonar

Este defeito foi primeiramente descrito, em 1761, e corresponde a cerca de 8 a 10% das cardiopatias cingênitas. A válvula estenótica se apresenta com algum grau de espessamento e suas comissuras se acham fundidas. Durante a sístole ventricular, apresenta o formato de cúpula. Entretanto, em cerca de 10 a 15 % dos casos, as válvulas se apresentam displásicas, com grande espessamento e mobilidade muito diminuída, o que contribui, nestes casos, para a obstrução ao fluxo. Em cerca de 20% dos casos, a valva é bicúspide.

O forame oval permanece patente, na maioria dos casos, permitindo fluxo interatrial. Nos casos graves, pode ser observado infarto sub endocárdico de VD e fibroelastose endocárdica. É possível que a endocardite fetal seja a causa desta patologia.

A severidade da lesão é mais facilmente avaliável pela ecocardiografia Doppler:

- EPV leve: pressão em VD menor que 50 mmHg ou gradiente valvar menor que 35 a 40 mmHg;

EPV moderada: pressão em VD menor que 100 mmHg ou gradiente valvar menor que 80 mmHg;

EPV severa: pressão em VD maior que 100 mmHg ou gradiente valvar maior que 80 mm Hg.

A avaliação de gravidade, tendo como parâmetro a pressão, só é válida quando não há falência de VD. O grau de abertura valvar também pode ser usado como referência. Mesmo nos casos graves, durante o período fetal, o shunt da direita para esquerda pelo forame oval permite que o débito cardíaco seja mantido pelo VE, não havendo, portanto, repercussões para o feto.

A sintomatologia após o nascimento e nos outros períodos da vida depende basicamente do grau de estreitamento. Nos casos leves não há queixas e a evolução clínica é benigna. Nos casos moderados também não há queixas, na infância, contudo nas fases posteriores, com o exercício físico, observa-se cansaço e dispnéia ao esforço. Com o passar dos anos e na idade adulta ocorre dilatação do VD e a sintomatologia ocorre aos pequenos esforços. Nesta fase podem ocorrer arritmias que podem ser fatais.

estenose valvar pulmonar grave (não confundir com estenose crítica do recém- nascido), apesar da severidade da obstrução, costuma ser bem suportado pelo RN, que evolui com ganho pondero-estatural adequado, pois o VD consegue manter débito adequado, suficiente para suprir as necessidades básicas do paciente às custas de hipertrofia de sua musculatura. Com o ganho de peso do RN e o não crescimento proporcional da região valvar, ocorre aumento do gradiente e disfunção e dilatação ventricular direita, com evolução para insuficiência cardíaca, síncope e morte súbita devido a arrritmias. A intervenção terapêutica deve ser feita antes desta fase.

A hipertrofia do trato de saída de VD pode adicionar o componente infundibular à estenose. A estenose valvar pulmonar crítica do RN, em que o orifício muito estreito (1 a 2 mm) permite um fluxo desprezível, funciona na prática como atresia pulmonar, sendo dependente da patência do ducto arterioso. Quando este se fecha, o fluxo pulmonar inadequado torna o RN hipóxico, com evolução para óbito, caso não haja tratamento. O que leva o paciente a óbito, é a hipoxia, uma vez que o débito sistêmico pode ser mantido pelo VE, que recebe o sangue do AD quando o forame oval ou CIA verdadeira permitem o shunt. 

O fluxo através da válvula estenótica é turbulento, produzindo um jato que irá dilatar o tronco da artéria pulmonar. Nos casos leves e moderados, esta dilatação é mais proeminente, estando ausente nos casos mais graves.

No exame físico, à palpação detectamos a impulsão pára-esternal esquerda aumentada (VD), tão mais intensa quanto mais grave a lesão. O sopro sistólico ejetivo em foco pulmonar aumenta com a gravidade da estenose, tornando-se também mais longo. Contudo o desenvolvimento da IC diminui a intensidade do sopro. No exame clínico é comum o click sistólico ejetivo, a presença de quarta bulha de VD e o desdobramento de Segunda bulha.

eletrocardiograma reflete a sobrecarga direita, com desvio de eixo de QRS para direita, sobrecarga atrial direita (aumento de amplitude de P), aumento de R em precordiais direitas (amplitude de R em mm em V1, multiplicada por 5, indica a pressão sistólica em VD) , aumento de S em precordiais esquerdas e onda T em V1 positiva nas crianças.

RX de tórax irá mostrar na silhueta cardíaca o abaulamento do arco médio (dilatação do tronco de artéria pulmonar), ponta do coração arredondada e levantada e, nos casos com insuficiência cardíaca, há cardiomegalia com aumento de AD. A vasculatura pulmonar, em geral, é normal.

Com a ecocardiografia Doppler podemos avaliar a valva pulmonar, o grau de espessamento, a amplitude de sua abertura, o número de cúspides e a abertura em cúpula, quando presente.

As dimensões cavitárias e de artéria pulmonar, bem como a medida do anel pulmonar, podem ser avaliadas, assim como a presença de lesões associadas. Ao Doppler medimos o gradiente e a presença de insuficiência pulmonar associada.

O cateterismo cardíaco diagnóstico foi amplamente substituído pela ecocardiografia Doppler (pulsado, contínuo e colorido), sendo utilizado apenas quando fazemos a valvuloplastia com cateter balão. Contudo nos casos onde há suspeita de lesões do tronco e ramos de artéria pulmonar, é fundamental o estudo angiográfico. 

O tratamento de eleição é a valvuloplastia com cateter balão, que tem excelente resultado, semelhante ao cirúrgico, exceto nos casos de válvula displásica (10 a15% dos casos ), onde a resposta é ruim. Mesmo nos casos de estenose valvular pulmonar crítica do RN (com bom anel pulmonar e boa cavidade de VD), com a utilização de catéteres de baixo perfil e acúmulo de experiência, a valvuloplastia com cateter balão deve ser o método de escolha. O tratamento (cirurgia ou valvuloplastia) é indicado, quando o gradiente é maior ou igual a 45 mmHg.

A evolução é excelente na grande maioria dos casos, com boa evolução clinica, apesar da presença de insuficiência valvular observada na maioria dos casos.

A incidência de restenose 4 a 8 anos após o tratamento, é comparável em ambos os métodos de tratamento utilizado.

Agenesia de Válvula Pulmonar

A agenesia de valva pulmonar é uma cardiopatia relativamente rara e, na grande maioria das vezes, está associada a uma CIV, com estenose infundibular e estenose a nível de anel valvular pulmonar, constituindo a Tetralogia de Fallot com agenesia de valva pulmonar. Portanto a agenesia de válvula pulmonar isolada, da qual prioritariamente iremos tratar, é extremamente rara.

Nesta patologia o tecido valvular observado é displásico e rudimentar, formando pequenos brotos com pequena mobilidade, permitindo o ir e vir do sangue durante a sístole e a diástole.

Nos casos de agenesia isolada, o prognóstico é bom, pois além de existir pequeno gradiente sistólico através do anel pulmonar, a pressão diastólica baixa na árvore pulmonar não produz um retorno maciço de sangue para VD, com pouca dilatação desta cavidade.

Diferentemente dos casos associados à tetralogia de Fallot, a árvore pulmonar é pouco dilatada. Quando alguma condição eleva as pressões em artéria pulmonar, este prognóstico pode ser pior. É o caso do período neonatal, quando transitoriamente a resistência está elevada e quando existe PCA, moderado a amplo, associado. Nestas condições ocorre importante insuficiência pulmonar, com grande dilatação de VD e da árvore pulmonar e compressão da árvore respiratória pelas artérias dilatadas.

Ao eletrocardiograma podemos detectar sinais de sobrecarga volumétrica de VD (padrão rSR' ).

No RX de tórax podemos observar aumento varável de VD. Ao ecocardiograma Doppler, observamos pequenos rudimentos de válvula pulmonar que não coaptam. O VD pode estar dilatado. Ao Doppler detectamos pequeno gradiente sistólico através do anel pulmonar e insuficiência pulmonar.

estudo hemodinâmico é necessário quando há lesões associadas. O prognóstico é muito bom na agenesia isolada da válvula pulmonar, com ausência de sintomas inicialmente. Com o crescimento e aumento da atividade física, pode ser observada baixa performance ao exercício físico.

No período neonatal o uso de oxigênio acelera a queda da resistência vascular pulmonar. Quando há PCA moderado ou amplo, é fundamental o fechamento deste.

3 - Doenças Congênitas da Valva Mitral

A Valvopatia congênita mitral isolada é incomum, sendo freqüentemente encontrada em associação com outras patologias cardíacas, como defeito do septo átrio-ventricular, coarctação de aorta e hipoplasia de cavidades esquerdas.

Outras doenças congênitas, como anel supramitral e cor triatum apresentam fisiopatologia de obstrução ao fluxo diastólico de AE para VE, produzindo clínica idêntica e merecendo diagnóstico diferencial.

A hipoplasia de valva e anel mitral, em geral, faz parte da síndrome hipoplásica de VE, portanto não será considerada neste artigo.

Estenose Mitral Congênita

A estenose mitral congênita pode ser classificada de acordo com o componente anormal (anel, folhetos, cordoalhas e músculos papilares), entretanto, na maioria dos casos, todos os componentes estão envolvidos.

Tipos:

Fusão de comissuras

Ocorre fusão dos folhetos e as cordoalhas são pouco desenvolvidas. A valva tem orifício estreito e mobilidade reduzida.

Displasia com excesso de tecido

Os espaços intercordais são obstruídos total ou parcialmente por tecido displásico, além disso os folhetos são espessados e, por vezes, se aderem ao septo inter-ventricular, causando obstrução sub-aórtica. 

Duplo orifício mitral
Pode ocorrer isolado ou associado com defeito do septo AV.

Pode ocorrer isuficiência ou estenose mitral, porém em cerca de 50% dos casos a valva funciona normalmente.

Valva mitral em arcada.

Nesta condição, os folhetos são espessados e as cordoalhas muito curtas ou ausentes, fazendo com que os folhetos se insiram diretamente ou quase diretamente nos músculos papilares. A valva tem pouca mobilidade e produz estenose e insuficiência. 

Valva mitral em pára-quedas

Nesta condição todas as cordoalhas se dirigem a um único músculo papilar. Em geral as cordoalhas são espessadas e curtas e são elas que produzem obstrução ao fluxo.

A associação de mitral em pára-quedas, com anel supramitral, estenose aórtica e coarctação de aorta constitui a síndrome de Shone.

Devido à obstrução ao fluxo a nível valvar mitral, ocorre aumento de pressão em átrio esquerdo, que retrogradamente se transmite às veias e aos capilares pulmonares, com transudação de líquido para o interstício. O volume de transudação depende do nível de pressão venocapilar, podendo produzir congestão pulmonar severa, chegando a edema agudo de pulmão. Há subseqüente aumento da pressão em artéria pulmonar, que provoca sobrecarga ventricular direita, podendo levar à insuficiência cardíaca direita.

O quadro clínico depende do grau de estenose mitral e do grau de insuficiência mitral freqüentemente associada, sendo observada impulsão para esternal esquerda aumentada (VD), sopro diastólico em ponta e hiperfonese do componente pulmonar da segunda bulha. Terceira e quarta bulhas de VD podem estar presentes.

O quadro de congestão pulmonar e insuficiência cardíaca direita pode se desenvolver no período neonatal ou, com o crescimento da criança, o orifício se tornar proporcionalmente mais estreito, levando à instalação progressiva do quadro. O eletrocardiograma revela sinais de sobrecarga direita, associado a sinais de aumento de átrio esquerdo.

RX de tórax mostra aumento da silhueta cardíaca devido ao aumento de AE,VD e AD. Pode ser notado também sinais de congestão e hipertensão pulmonar. O exame ecocardiográfico Doppler (pulsado, contínuo e colorido) permite análise da anatomia valvar, dimensões, grau de espessamento dos folhetos, características das cordoalhas, morfologia dos músculos papilares, mobilidade e grau de coaptação.

As dimensões de VE são importantes para o prognóstico e devem ser avaliadas, bem como as dimensões de AD e VD, além da função cardíaca. Ao Doppler podemos analisar as características do fluxo anterógrado e retrógrado e quantificar a estenose através da medida do gradiente transmitral.

cateterismo cardíaco pode ser de ajuda nos casos de cardiopatias associadas e na dúvida diagnóstica para se avaliar o diagnóstico diferencial, entretanto, na maioria das vezes, a avaliação clínica, junto a outros exames complementares, é suficiente para a definição diagnóstica e tratamento. O tratamento clínico se restringe ao uso de digital e diuréticos.

tratamento cirúrgico deve ser protelado, desde que não traga risco de vida, para que o paciente se desenvolva do ponto de vista pondero-estatural, desde que não haja deterioração da função cardíaca. A idade ideal para a cirurgia reparadora é em torno de 3 anos. O ventrículo esquerdo com dimensões diminuídas e cardiopatias associadas são fatores que pioram o prognóstico cirúrgico.

A cirurgia reparadora mitral é preferida à colocação de próteses, contudo nem sempre é possível fazê-la. A valva mitral em pára-quedas e a valva mitral em arcada são situações que dificilmente têm bons resultados com cirurgia reparadora, sendo em geral necesária a colocação de prótese mecânica. Mesmo os pacientes em que a cirurgia reparadora é realizada com êxito, costumam necessitar de nova cirurgia no futuro, para a colocação de prótese.

Insuficiência Mitral Congênita

A insuficiência congênita isolada da válvula mitral é uma doença extremamente rara. Em geral vem associada a outras patologias, como defeito do septo AV, ou associada a lesões estenóticas já descritas no tópico anterior.

Duas entidades, apesar de freqüentemente estarem associadas a outras patologias, podem raramente ocorrer de maneira isolada e serem consideradas congênitas: cleft mitral e prolapso mitral.

A insufiência mitral, produz graus variados de dilatação cardíaca. O eletrocardiogramapode mostrar os clássicos sinais de aumento de cavidades esquerdas, podendo ser observados sinais de sobrecarga direita quando ocorre hipertensão pulmonar.

No RX de tórax pode haver silhueta cardíaca aumentada, com a imagem de duplo contorno (AE). Sinais de congestão e hipertensão pulmonar podem estar presentes nos casos com insuficiência cardíaca.

O estudo ecocardiográfico Doppler (pulsado, contínuo e colorido) irá delinear as carcterísticas da valva, definir e quantificar a lesão , bem como as dimensões cavitárias.No cleft isolado da válvula mitral, o ecocardiograma Doppler mostra uma fenda no folheto septal (em geral), que aponta para o trato de saída de VE. Pode ainda ser demonstrada a presença de cordoalhas acessórias se inserindo no SIV, por vezes causando obstrução no trato de saída de VE.

No prolapso mitral a ecocardiografia Doppler define o prolapso (um ou ambos folhetos ultrapassando o plano de fechamento mitral). Mostra a displasia de folhetos e cordoalhas, quando presente, e define o grau de prolapso, bem como o grau de insuficiência valvar.

Cleft Isolado da Valva Mitral

É um defeito raro da valva mitral, acometendo, na grande maioria das vezes, o folheto septal. Costuma produzir importante regurgitação, levando a sobrecarga de cavidades esquerdas, com dilatação progressiva e quadro de insuficiência cardíaca.

Os achados clínicos são aqueles clássicos da insuficiência mitral.

A insuficiência cardíaca pode ser grave, levando à necessidade de tratamento clínico com digital diurético e vasodilatadores.

O tratamento cirúrgico é instituído imediatamente nos casos com má resposta ao tratamento medicamentoso e nos casos com dilatação significativa de cavidades esquerdas, devido ao risco de arritmia e disfunção miocárdica irreversível. Na maioria das vezes, é possível a preservação da valva mitral. evitando-se a colocação de prótese.

Prolapso Mitral

É uma doença raramente observada no primeiro ano de vida, como forma isolada. Em geral o prolapso faz parte de outras patologias cardíacas como CIA, ou doenças sistêmicas do tecido conjuntivo, como Marfan. 

Os trabalhos prospectivos na população pediátrica, usando a ecocardiodrafia Doppler, demonstram o aumento da prevalência de prolapso mitral, consistentemente e progressivamente, nas faixas etárias mais elevadas.

A anormalidade básica mais aceita é um defeito no tecido conjuntivo que forma o aparelho valvar, levando à redundância de cordoalhas e folhetos mitrais. Raramente pode levar a quadro de insuficiência cardíaca no primeiro ano de vida. Nesta faixa etária os casos raramente respondem ao tratamento clinico, sendo necessário o tratamento cirúrgico.

4 - Doença Congênita da Valva Aórtica

Estenose Valvar Aórtica

A estenose valvar aórtica responde por cerca de 6% das cardiopatias congênitas. A valva aórtica é normalmente formada por 3 cúspides, entretanto, nos casos em que há estenose, é freqüente a presença de apenas duas cúspides ou apenas uma. Embora as valvas aórticas bicúspides possam ser estenóticas, a maioria não o são, apresentando gradientes inferiores a 10 mmHg.

Classificamos as estenoses valvares em leves, moderadas e severas, de acordo com seu orifício de abertura sistólica.

-Estenose aórtica valvar severa: orifício menor que 0,5 cm2/m2

-Estenose aórtica valvar moderada: orifício entre 0,5 e 0,8 cm2/m2 

-Estenose valvar leve: orifício entre 0,8 e 2 cm2/m2

Está freqüentemente associada à coarctação de aorta e PCA e menos freqüentemente à estenose valvar pulmonar. A estenose valvar aórtica leva o VE a trabalhar em regime de pressão sistólica elevada e, dependendo do grau de obstrução, desenvolve hipertrofia miocárdica em maior ou menor grau, que contribui para diminuição da complacência de VE.

A pressão diastólica de VE pode se manter inicialmente normal, porém, quando há perda da capacidade ventricular esquerda em vencer a resistência imposta pela obstrução, ocorre aumento do volume telediastólico, com elevação da pressão diastólica de VE. Na seqüência se instala aumento da pressão média de átrio esquerdo e congestão pulmonar nos casos mais severos. Devido à dificuldade de perfusão da região subendocárdica, pode ocorrer isquemia desta região. Este processo conduz à fibroelastose subendocárdica.

No exame clínico se observa sopro sistólico ejetivo de 3 ou mais cruzes em 6 cruzes, melhor audível em foco aórtico e foco aórtico acessório, com irradiação para apex, fúrcula e região das carótidas. O click sistólico em geral está presente. A terceira e quarta bulha podem também estar presentes. O componente aórtico de B2 pode estar diminuído e o pulmonar aumentado, nos casos de hipertensão pulmonar. Dependendo da gravidade, a pressão arterial sistêmica e os pulsos podem ser normais ou muito diminuídos nos quatro membros.

Os sinais de aumento de AE, hipertrofia de VE e a isquemia subendocárdica podem estar refletidos no eletrocardiograma e nos casos de hipertensão pulmonar também a sobrecarga de VD.

RX de tórax não mostra grande aumento da silhueta cardíaca, que se caracteriza melhor pelo "mergulho" do coração, conseqüente à hipertrofia de VE, contudo, quando há falência miocárdica, principalmente com insuficiência mitral associada, a cardiomegalia se apresenta de maneira acentuada.

Ao ecocardiograma Doppler podemos avaliar a morfologia da valva, o grau de espessamento, a amplitude de sua movimentação, a abertura em cúpula, a área do orifício valvar, as dimensões do anel e o número de folhetos. Também é fundamental diagnosticar ou afastar a presença de lesões associadas, principalmente estenoses sub ou supra aórticas, coarctação de aorta e PCA. As medidas das cavidades cardíacas e a fração de ejeção são essenciais para se avaliar a função cardíaca.

Pelo Doppler medimos o gradiente através da valva, que pode refletir o grau de obstrução, desde que não haja depressão miocárdica. Pela análise da curva de enchimento de VE, podemos aferir a função diastólica ventricular. A presença de grau da insuficiência áortica pode ser melhor aferido pelo Doppler colorido.

Nos casos de estenose áortica valvar, na grande maioria das vezes, é dispensável oestudo hemodinâmico para fins diagnósticos, uma vez que os dados clínicos, juntos com os exames complementares supra citados são suficientes para isto, bem como para o planejamento terapêutico.

O cateterismo cardíaco é usado para fins terapêuticos (valvuloplastia com cateter balão) em pacientes com gradiente igual ou superior a 50 mmHg, ou gradientes menores em pacientes com insuficiência cardíaca.

Os recém-nascidos com estenose aórtica crítica são de difícil tratamento, com alta mortalidade tanto ao tratamento cirúrgico, quanto à valvuloplastia, pois como sabemos estes casos são de péssimo prognóstico, freqüentemente associados a fibroelastose endocárdica e hipoplasia de VE.

O prognóstico destes pacientes está diretamente relacionado à presença de fatores como:

- Preseça de fibroelastose endocárdica;

- Dimensões de VE menores que 75% do normal;

- Dimensões do anel áortico;

- Grau de displasia da valva;

- Obstrução "em túnel" do trato de saída de VE;

- Patologias associadas (CIV, Coarctação de aorta, estenose supra áortica, membrana sub-aórtica);

Os casos de estenose valvar isolada, não crítica, têm bom prognóstico inicial, sendo a maioria suceptível ao acompanhamento clínico (gradiente menor que 50 mmHg, em paciente sem arritmias) ou a tratamento (valvuloplastia cirúrgica ou com cateteter balão). Contudo, a médio e longo prazos, com a freqüente instalação de insuficiência aórtica, ocorre dilatação progressiva do VE, sendo necessário o tratamento cirúrgico, com colocação de prótese mecânica. 

Os casos com estenose valvar crítica apresentam alta mortalidade (??), tanto ao tratamento cirúrgico, quanto à valvuloplastia. Estes casos estão freqüentemente associados a VE pequenos, a anel aórtico com diâmetro reduzido e a fibroelastose endocárdica, sendo a presença destes fortes determinantes do mau progóstico destes casos. A evolução tecnológica, com a fabricação de material mais apropriado ao caterismo de RN de baixo peso, tem permitido melhores resultados finais, naqueles casos com maior viabilidade.

Congenital Lesions of Cardiac Valves
Dr. Alan Eduardo da Silva
Cardiologista Pediátrico 

Hospital de Cardiologia de Laranjeiras, Hospital São Vicente de Paulo, Baby Cor - Cardiologia Pediátrica.

 
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